Fiscalização Sucessiva Abstrata…

Fiscalização Sucessiva Abstrata da Constitucionalidade – Portugal e Brasil

ALEXANDRE AUGUSTO ESTEVES

• Advogado, pós-graduado em Direito Tributário, especialista em Ciências Jurídico-Publicísticas e Mestre em Direito pela Universidade Lusófona do Porto (ULP) em Portugal.

• Artigo apresentado originalmente à ULP, como Relatório Final da Disciplina Processo Constitucional – 1º Semestre 2019/2020.

Resumo

O presente estudo aborda a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade de normas no ordenamento jurídico de Portugal, numa perspectiva comparada ao do Brasil, onde essa fiscalização também é chamada de controle de constitucionalidade das normas. Sem a pretensão de esgotar toda a matéria acerca do tema, o trabalho está dividido em tópicos que apresentam um panorama geral sobre constitucionalidade e fiscalização de constitucionalidade, origem e previsão normativa da fiscalização abstrata no ordenamento jurídico de Portugal e do Brasil, bem como dos principais efeitos de decisões proferidas no âmbito desta fiscalização nos dois países. Para tanto, foi utilizado método indutivo com fundamento nas Constituições, diplomas legais, doutrina e jurisprudência, lusitana e brasileira, que versam sobre a matéria.

Palavras-chave: Constituição; fiscalização; constitucionalidade; abstrata; normas; Portugal; Brasil.

 

Abstract

The present study addresses the successive abstract inspection of the constitutionality of norms in the legal system of Portugal, in a perspective compared to that of Brazil, where this inspection is also called the constitutionality control of the norms. Without claiming to exhaust all the material on the topic, the work is divided into topics that present an overview of constitutionality and constitutionality inspection, origin and normative provision of abstract inspection in the legal system of Portugal and Brazil, as well as the main ones effects of decisions issued in the context of this inspection in both countries. For that, an inductive method was used based on the Constitutions, legal diplomas, doctrine and jurisprudence, Portuguese and Brazilian, which deal with the matter.

Keywords: Constitution; inspection; constitutionality; abstract; norms; Portugal; Brazil.

 

Sumário: Introdução; 1. Noções Básicas sobre Fiscalização da Constitucionalidade das Normas; 1.1. Tipos de inconstitucionalidade; 1.2. Sistemas de fiscalização de constitucionalidade; 1.3. Momentos de fiscalização; 1.4. Modelos de fiscalização de constitucionalidade; 2. Fiscalização Sucessiva Abstrata nos Tribunais Constitucionais de Portugal e do Brasil; 2.1. Origem constitucional; 2.2. Conceito e generalidades; 2.3. Normas parâmetros de fiscalização; 2.4. Objeto de fiscalização; 2.5. Legitimidade ativa; 2.6. Legitimidade passiva; 2.7. Amicus curiae e audiência pública; 2.8. Medida cautelar; 2.9. Imprescritibilidade; 2.10. Quórum e deliberações; 2.11. Natureza da deliberação; 2.12. Principais efeitos da deliberação; 3. Quadro Comparativo dos Principais Aspectos da Fiscalização Sucessiva Abstrata nos Tribunais Constitucionais de Portugal e do Brasil; 4. Considerações Finais; Referência Bibliográfica.

 

Introdução

A fiscalização da constitucionalidade é um importante mecanismo para verificação da compatibilidade de normas infraconstitucionais com as normas constantes na Constituição de um país.

A criação desse mecanismo, com vistas à solução de eventuais conflitos normativos com a Constituição, revelou-se de suma importância para o Estado de Direito democrático.

É por meio da fiscalização da constitucionalidade que, tanto em Portugal como no Brasil, não se deixa inserir ou se retira do ordenamento jurídico as normas inconstitucionais.

Conquanto haja distinções no sistema jurídico dos dois países, essa fiscalização da constitucionalidade pode ser preventiva ou sucessiva (repressiva).

Enquanto a fiscalização preventiva pode ser efetuada no curso do processo legislativo, por exemplo, a fiscalização sucessiva (repressiva) sempre se dará após a norma estar pronta e acabada, isto é, publicada.

Na fiscalização sucessiva, em ambos os países, qualquer tribunal singular ou colegiado poderá exercer esse múnus em casos concretos, a chamada fiscalização ou controle difuso da constitucionalidade das normas que, via de regra, produz efeitos apenas entre as partes processuais.

A fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade, que aqui muito interessa, é exercida pelo Tribunal Constitucional de Portugal e pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, cujas decisões têm o condão de retirar ou não a validade das normas, subtraindo-as ou não de seus respectivos ordenamentos jurídicos. Tais decisões produzem, dentre outros efeitos que vamos estudar de forma mais acurada, o efeito erga omnes, ou seja, para todos.

Portugal e Brasil possuem diversos acordos e normas de reciprocidade e há uma histórica migração de nacionais de um país para o outro, muitos dos quais estudantes e profissionais do ramo do direito, sendo absolutamente comum se depararem com peculiaridades no ordenamento jurídico de ambos os países, o que torna o assunto atraente.

Assim, o presente estudo aborda a fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas, com ênfase à fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade à luz do ordenamento jurídico português e brasileiro.

 

1. Noções Básicas sobre Fiscalização da Constitucionalidade das Normas

Para o jurista austríaco Hans Kelsen, um ordenamento jurídico é integrado por normas que estão em diferentes níveis hierárquicos, sendo que as normas inferiores encontram fundamento de validade nas normas superiores. No topo do ordenamento jurídico está a Constituição, que é a norma-fundamento de todas as outras[1]

Daí decorre o princípio da supremacia da Constituição, de onde se extrai a noção de que todas as normas do ordenamento jurídico devem ser compatíveis e estarem em conformidade com o texto constitucional.

A fiscalização de constitucionalidade, ou o controle de constitucionalidade como é chamado no Brasil, é um mecanismo jurídico que consiste na aferição da validade das normas em relação à Constituição.

É por meio da fiscalização da constitucionalidade que se busca a compatibilidade vertical das normas com a Constituição, para que sejam garantidas a normatividade e a efetividade do texto constitucional.

Tanto Portugal como Brasil possuem Constituições escritas e rígidas, que definem mecanismos e órgãos com poder de fiscalização da constitucionalidade das normas, embora não seja preciso que haja uma Constituição formal para que se produza inconstitucionalidade e, muito menos, que seja rígida. Basta que haja Constituição em sentido material, como a britânica por exemplo. Mas, sem constituição escrita e rígida, “não se propiciam condições para organização de uma fiscalização[2]”.

Segundo Gilmar Mendes e Paulo Branco[3]:

A rigidez, expressando a supremacia da Constituição, demanda, também, a instituição de um sistema de controle de validade dos atos praticados pelos poderes constituídos, em face das normas do texto constitucional. A rigidez, para ser efetiva, requer um sistema de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, como garantia eficaz da supralegalidade das normas constitucionais.

De tal modo, a Constituição deve prever mecanismos e órgãos de fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas, para garantir a supremacia do texto constitucional.

Nesse sentido, Luiz Roberto Barroso[4] leciona:

A Constituição, portanto, é dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema e, como consequência, nenhum ato jurídico pode subsistir validamente se for com ela incompatível. Para assegurar essa supremacia, a ordem jurídica contempla um conjunto de mecanismos conhecidos como jurisdição constitucional, destinados a, pela via judicial, fazer prevalecer os comandos contidos na Constituição. Parte importante da jurisdição constitucional consiste no controle de constitucionalidade, cuja finalidade é declarar a invalidade e paralisar a eficácia dos atos normativos que sejam incompatíveis com a Constituição.

Por ora, é preciso dizer que há semelhanças e distinções constitucionais a serem demonstradas quanto às formas de Estado e quanto às formas, regimes e sistemas de governo, entre Portugal e Brasil, as quais são necessárias à compreensão deste estudo, sobretudo no que diz respeito aos sistemas políticos, aos processos legislativos e à formação dos atos normativos dos dois países.

Com efeito, Portugal e Brasil se assemelham por serem atualmente países republicanos e democráticos, porém se distinguem quanto à forma de Estado e o sistema de governo. Enquanto Portugal é um Estado unitário e semipresidencialista (Constituição da República Portuguesa, arts. 6.º e 110.º), o Brasil é um Estado federado e presidencialista (Constituição da República Federativa do Brasil, arts. 1.º e 2.º).

Acerca da forma de Estado, Canotilho[5] acentua:

A constituição não define Estado Unitário, mas tendo em conta os elementos históricos e de direito comparado bem como a sistemática da lei fundamental, podemos caracterizar como Estado Unitário aquele que, num determinado território e para população que nele vive, tem um suporte único para estatalidade (ou estadualidade). Dizer-se que há um suporte único para estadualidade significa que: (1) existe uma organização política e jurídica – o Estado, a qual se imputa em termos exclusivo a totalidade das competências tipicamente estatais (ex: representação externa, defesa, justiça); (2) consequentemente, existe uma só soberania interna  e externa, não existindo outras organizações soberanas colocadas em posição de equiordenação (confederação) ou em posição de diferenciação (estado membro de um estado federal); (3) a unitariedade do Estado resulta a imediaticidade das relações entre o poder central e os cidadãos (não existes ‘corpos intermediários’ a servir de ‘écran’ entre o Estado e os cidadãos); (4) do caráter unitário deriva ainda a ideia de indivisibilidade territorial. Em suma: unidade do Estado significa República una, com uma única Constituição e órgãos de soberania únicos para todo o território nacional.

Portugal, como Estado unitário, possui como órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais (CRP, art. 110.º). Diferente do Brasil, onde o Presidente da República é Chefe de Estado e de Governo, em Portugal o Presidente da República é o Chefe de Estado e o Primeiro Ministro é o Chefe de Governo, o que caracteriza o sistema semipresidencialista português.

A Assembleia da República, por sua vez, é o órgão Legislativo por excelência de Portugal, a quem compete no âmbito do processo legislativo a aprovação das leis, além de outras competências conferidas pelo art. 161.º e seguintes da Constituição.

São atos legislativos em Portugal: as leis, os decretos-leis editados pelo Governo e os decretos legislativos regionais (CRP, art. 112.º, n. º 1). Para além das normas inseridas nesses atos legislativos, há diversas outras constantes de atos normativos editados também pelas autarquias locais[6] (em especial os municípios), pelas regiões autônomas, por diversos órgãos da administração pública direta e indireta, bem como por outras pessoas coletivas, as quais podem ser objeto de fiscalização da constitucionalidade concreta ou abstrata.

Em razão do sistema semipresidencialista, não está no rol constitucional de funções do Presidente da República a iniciativa legislativa e sim as de promulgar e mandar publicar as leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares, assinar as resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacionais e os restantes decretos do Governo (CRP, art. 134.º, alínea b).

A iniciativa legislativa compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores. No respeitante às regiões autônomas, a iniciativa compete às respectivas Assembleias Legislativas (CRP, art. 167.º, n. º 1).

Já o Brasil é um Estado federado, composto pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, sendo todos entes públicos dotados de competência legislativa. À União compete legislar, em regra, sobre normas federais e nacionais de interesse geral (CRFB, art. 22 e art. 48 por exemplo); aos Municípios compete legislar sobre normas de interesse local, respeitando a Constituição da República e a Constituição do respectivo Estado-Membro (CRFB, art. 30, I); aos Estados-Membros cabe legislar concorrentemente com a União em matérias específicas (CRFB, art. 24) e cabe a competência residual (remanescente ou reservada), ou seja, que não estiverem enumeradas como dos outros entes federativos (CRFB, art. 25, § 1.º); ao Distrito Federal, por não ser dividido em municípios, são atribuídas as competências legislativas dos Estados-Membros e dos Municípios (CRFB, art. 32, § 1.º) [7].

No Brasil, a função de legislar é, igualmente, uma função típica do Poder Legislativo. É por meio dela que são produzidos os atos normativos primários de sua competência, os quais extraem seu fundamento de validade diretamente da Constituição. Tais atos normativos estão entre os descritos no art. 59 da Constituição (emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; decretos legislativos; resoluções).

Esses atos normativos são elaborados a partir de uma sistemática constitucional e regimental própria, denominada processo legislativo.

Embora a função de legislar seja típica do Poder Legislativo no Brasil, em razão do sistema presidencialista e, sobretudo, do princípio da simetria, atuam no processo legislativo o Poder Executivo e o Poder Legislativo, a nível federal, estadual e municipal.

Assim, a lei aprovada pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado), será sancionada ou vetada pelo Presidente da República, caso a considere inconstitucional ou contrária ao interesse público. Da mesma forma, as leis aprovadas pelas Assembleias Legislativas dos Estados-Membros e do Distrito Federal serão sancionadas ou vetadas pelos seus respectivos Governadores e as leis aprovadas pelas Câmaras Municipais serão sancionadas ou vetadas pelos seus respectivos Prefeitos Municipais.

Se sancionada, a lei entra em vigor na data de sua publicação, no prazo determinado pela própria lei ou no prazo de quarenta e cinco dias (vacatio legis), consoante disposto no art. 1.º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Se vetada, a mensagem de veto será enviada à respectiva casa legislativa que poderá manter o veto ou derrubá-lo, sempre pela maioria absoluta de seus parlamentares (CRFB, art. 66, §§ 1.º a 7.º).

Para além da Constituição da República, das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas Municipais, a legislação brasileira é integrada pelas emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias editadas pela Presidência da República, decretos legislativos e resoluções (atos normativos primários), bem como pelos decretos regulamentares, portarias, instruções e outros atos normativos secundários, editados nos três níveis federativos (União, Estados-Membros e Municípios).

Ao que aqui interessa, importante deixar claro que em Portugal, quaisquer normas podem ser objeto de fiscalização sucessiva abstrata de constitucionalidade e de legalidade perante o Tribunal Constitucional português (CRP, art. 281.º, 1, alíneas a a d).

No Brasil, somente as leis e atos normativos (primários) federais e estaduais podem ser objeto de controle sucessivo abstrato de constitucionalidade por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), perante o Supremo Tribunal Federal (CRFB, art. 102, I, alínea a). Isso não quer dizer que leis municipais, leis do Distrito Federal, atos normativos secundários ou mesmo a omissão legislativa não estejam sujeitos à fiscalização de constitucionalidade, porém não serão abordados de forma mais aprofundada por não compreender o objetivo deste estudo.

Salienta-se, entretanto, que as leis e atos normativos municipais podem ser objeto de fiscalização de constitucionalidade de forma difusa por qualquer tribunal, em casos concretos, e de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assim como as leis e atos normativos do Distrito Federal, emanados no âmbito de sua competência estadual, podem ser objeto de ADI ou ADC (CRFB, arts. 32, § 1.º e 102, § 1.º).

E, ainda, as leis e atos normativos estaduais e municipais que forem contrários à Constituição Estadual, poderão ser objeto de Representação de Inconstitucionalidade perante os respectivos Tribunais de Justiça estaduais, na forma constitucional e regimental competente (CRFB, art. 125, § 2. º).

1.1. Tipos de inconstitucionalidade

A fiscalização de constitucionalidade tem como objetivo aferir se uma norma jurídica ou a omissão legislativa é ou não inconstitucional. Se desconforme com a Constituição, a norma editada será considerada inconstitucional e, deste modo, inválida. 

Jorge Miranda[8] aponta os vários tipos de inconstitucionalidade ou de juízos de inconstitucionalidade: (a) inconstitucionalidade por ação ou omissão; (b) inconstitucionalidade total ou parcial; (c) inconstitucionalidade material ou formal ou formal e orgânica; (d) inconstitucionalidade originária ou superveniente; (e) inconstitucionalidade presente ou pretérita; (f) inconstitucionalidade antecedente (direta) ou consequente (indireta).

1.1.a) Inconstitucionalidade por ação ou omissão

A inconstitucionalidade por ação é a que resulta de uma conduta positiva, que se traduz na prática de ato jurídico-público que, por qualquer dos seus elementos, infringe a Constituição. Cite-se, como exemplo, a edição de uma lei contrária à Constituição. 

Já a inconstitucionalidade por omissão é a inconstitucionalidade negativa, que resulta da inércia ou do silêncio de qualquer órgão do Poder que deixa de legislar ou normatizar conforme exigido pela Constituição. Sucede, por exemplo, quando o competente legislador permanece omisso em face de uma norma constitucional de eficácia limitada.

1.1.b) Inconstitucionalidade total ou parcial

Diz-se inconstitucionalidade total, quando afeta todo um ato ou diploma, e parcial, quando atinge apenas uma de suas partes ou algumas de suas normas.

Noutra perspectiva, o Tribunal Constitucional português deu origem à distinção que reporta-se ao tempo de aplicação da norma, ou seja, total, a inconstitucionalidade que atinge todo o tempo de vigência da norma, e parcial, a que atinge apenas em determinado tempo[9].

1.1.c) Inconstitucionalidade material ou formal

A inconstitucionalidade material ou interna ocorre quando o conteúdo da norma é contrário à Constituição. Seria o caso, em um exemplo extremo, de leis que estabelecessem a pena de morte em Portugal ou no Brasil, mesmo sem haver guerra declarada. Como se sabe, a Constituição portuguesa proíbe expressamente a pena de morte em qualquer caso (CRP, art. 24.º, n. º 2) e a Constituição brasileira proíbe a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada (CRFB, art. 5.º, XLVII, alínea a).

A inconstitucionalidade formal ou externa, ocorre quando há desrespeito ao processo de formação ou à forma do ato jurídico-público determinados na Constituição.

A doutrina[10] aponta pelo menos três tipos relevantes de inconstitucionalidade quanto à forma da lei ou ato normativo, a saber: i) orgânica; ii) formal propriamente dita; iii) formal por violação a pressupostos objetivos do ato. 

A inconstitucionalidade orgânica decorre da inobservância da competência para a elaboração da norma. Exemplo: uma Assembleia Legislativa em Portugal edita uma norma sobre eleições dos titulares dos órgãos de soberania. Esta norma será inconstitucional, tendo em vista que a Constituição portuguesa determina como de competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre essa matéria (CRP, art. 164, alínea a). O mesmo se daria no Brasil, se, por exemplo, um Município editasse uma lei sobre o sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais, em evidente afronta à disposição do art. 22, VI, da Constituição brasileira, que reza que essa matéria é de competência privativa da União.

A inconstitucionalidade orgânica pode resultar de incompetência absoluta (quando o órgão autor do ato não possui nenhuma competência sobre a matéria – exemplo: ato legislativo proveniente de um órgão não legislativo) e relativa (quando proveniente de um órgão legislativo ou normativo, porém sem competência sobre a matéria).

A inconstitucionalidade formal propriamente dita deriva da inobservância da Constituição em relação a procedimento nela previsto para elaboração de lei ou ato normativo. Se o vício se der na fase de iniciativa, ocorrerá o chamado vício formal subjetivo. Caso esse vício se dê nas demais fases do processo ou procedimento, ocorrerá o vício formal objetivo. Por exemplo, a não obediência a quórum de votação, ausência de parecer de uma comissão competente ou uma determinada entidade que deveria ser ouvida e não foi.

A inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato legal ou normativo deriva da inobservância de pressupostos essenciais para sua edição. V.g., as medidas provisórias no Brasil, que para serem editadas, devem obedecer aos requisitos de urgência e relevância (CRFB, art. 62, caput).

1.1.d) Inconstitucionalidade originária e superveniente

Essa distinção depende da relação temporal que se estabelece entre a norma constitucional violada e a norma violadora, ou seja, se na vigência de certa norma constitucional é emitido um ato (ou um comportamento omissivo) que a viole, estamos diante da inconstitucionalidade originária. Se uma norma constitucional surge e com ela se torna desconforme uma norma preexistente, estamos diante de uma inconstitucionalidade superveniente.

Impende destacar que o Supremo Tribunal Federal entende que no Brasil não há inconstitucionalidade superveniente[11]. Por esse entendimento, a promulgação de nova Constituição ou de emenda constitucional resulta na “não recepção” ou no que parte da doutrina denomina de “revogação por inconstitucionalidade” das normas que com elas forem incompatíveis. Já as normas compatíveis serão recepcionadas pela nova Constituição ou emenda constitucional[12].

1.1.e) Inconstitucionalidade presente e pretérita

No que atine a este ponto, há que se destacar a dita “dicotomia da inconstitucionalidade-presente e inconstitucionalidade pretérita”, sobre dois aspectos: (i) inconstitucionalidade presente ou atual como inconstitucionalidade perante norma constitucional em vigor e inconstitucionalidade pretérita ou póstuma como inconstitucionalidade perante norma que já não se encontra em vigor; (ii) inconstitucionalidade presente referente à inconstitucionalidade de norma infraconstitucional em vigor e inconstitucionalidade pretérita em relação à inconstitucionalidade de norma infraconstitucional que já não mais está em vigor, por ter sido revogada, ter caducado ou, eventualmente, ter caído em desuso.

Esmiuçando o assunto, Jorge Miranda[13] ressalta:

Sobre a primeira contraposição, já nos pronunciamos, sustentando que só procede relativamente à revisão constitucional, não relativamente à emergência de nova Constituição.

A segunda distinção não levanta quaisquer dúvidas. O tribunal Constitucional português, tal como os tribunais de outros países (e, antes, a Comissão Constitucional) tem muitas vezes conhecido da inconstitucionalidade de normas legais já não em vigor, por haver utilidade nesse conhecimento – derivada da regra da eficácia retroactiva, ex tunc, da eventual declaração de inconstitucionalidade e da circunstância de, mesmo depois do seu período de vigência, as normas poderem continuar a produzir efeitos jurídicos.

No Brasil, em consonância com o entendimento supracitado, não é possível avaliar a constitucionalidade de normas frente à Constituição pretérita, mas é possível a apreciação da inconstitucionalidade de lei em relação a parâmetro constitucional já revogado por emenda à Constituição.

O mesmo já não acontece em relação à lei ou ao ato normativo revogado ou de eficácia já exaurida. Em que pese os pertinentes fundamentos apontados pela doutrina portuguesa, quanto ao critério de utilidade, no Brasil o Supremo Tribunal Federal não admite a interposição de ações de inconstitucionalidade nesses casos, sob o entendimento de que: “não deve considerar, para efeito do contraste que lhe é inerente, a existência de paradigma revestido de valor meramente histórico[14]”.

1.1.f) Inconstitucionalidade antecedente (direta) e consequente (indireta)

A inconstitucionalidade antecedente ou direta vem a ser a que se divisa através de juízo de inconstitucionalidade, levado a cabo a título específico ou principal ou que resulta, direta e imediatamente, do confronto de um ato normativo primário com a Constituição.

A inconstitucionalidade consequente ou indireta, ao seu turno, é a que decorre como corolário desse juízo de inconstitucionalidade, isto é, a que atinge certo ato normativo secundário, por atingir o ato normativo primário, de cuja validade aquele dependa.

Os atos normativos primários são aqueles que retiram seu fundamento de validade diretamente do texto constitucional. Já os atos normativos secundários não retiram fundamento de validade diretamente da Constituição, mas sim dos atos normativos primários.

Insere-se, nesse contexto, a chamada inconstitucionalidade por arrastamento (derivada, consequencial ou por atração). A inconstitucionalidade por arrastamento se dá quando há uma relação de dependência entre, pelo menos, duas normas, sendo uma principal e a outra acessória.

Se em um determinado processo a norma principal for declarada inconstitucional, todas as normas dela dependentes também deverão ser consideradas inconstitucionais.  A norma declarada inconstitucional por arrastamento pode ser do mesmo ato ou de atos diversos.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade por arrastamento de determinadas normas acessórias, independente de pedido formulado pelo autor da ação, sob o fundamento de que algumas normas jurídicas guardam estreita relação entre si, formando uma autêntica unidade jurídica[15].

A inconstitucionalidade por arrastamento é uma exceção à regra decorrente do princípio do pedido.

Em Portugal, o Tribunal Constitucional somente declara a inconstitucionalidade de norma jurídica que tenha sido objeto do pedido, justamente em razão do princípio do pedido, consagrado no art. 51.º, n. º 5, da Lei n. º 28/82, de 15 de Novembro[16]

1.2. Sistemas de fiscalização de constitucionalidade

Como visto, a Constituição de cada país é que define os órgãos de fiscalização da constitucionalidade das normas e o sistema de fiscalização a ser empregado.

A doutrina[17] aponta três sistemas de fiscalização: a) o sistema de fiscalização política, dito habitualmente de tipo francês, por estar ligado aos dogmas do constitucionalismo da França, onde a fiscalização se dá por órgão político: o Conselho Constitucional; b) o sistema de fiscalização judicial, desenvolvido nos Estados Unidos desde 1803, onde o Poder Judicial (Judiciário) detém a competência de fiscalização; c) o sistema misto, onde a fiscalização da constitucionalidade de algumas normas cabe ao Poder Judicial, e outras ao órgão político competente.

Em Portugal a fiscalização de constitucionalidade é sempre efetuada pelo Poder Judicial. Já no Brasil, o sistema de fiscalização é preponderantemente judicial. Isso porque é do Poder Judiciário a competência para fiscalizar a constitucionalidade de leis e atos normativos, mas há também a fiscalização por órgãos políticos, como se verá.

1.3. Momentos de fiscalização

Em relação ao momento de fiscalização da constitucionalidade, pode-se classificar como preventivo ou sucessivo (repressivo).

Segundo a doutrina[18], a distinção entre fiscalização preventiva e sucessiva (repressiva) tem como marco o nascimento da lei ou ato normativo no ordenamento jurídico. Dessa forma, a fiscalização de constitucionalidade é preventiva quando realizada antes da publicação da norma e sucessiva (repressiva) quando após a sua publicação.

Caso a fiscalização preventiva não consiga exercer seu papel, quer seja com a publicação de uma lei ou ato normativo inconstitucional, quer seja com a sua entrada em vigor no ordenamento jurídico, será necessário reprimi-los, desta feita, por via da fiscalização sucessiva ou controle repressivo como se denomina no Brasil.

1.3.a) Fiscalização Preventiva

Em Portugal, a fiscalização preventiva é da competência do Poder Judicial, no âmbito do Tribunal Constitucional, que apreciará a constitucionalidade de algumas normas, a requerimento do Presidente da República, dos Representantes da República, do Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados da Assembleia da República, de acordo com o previsto nos artigos 278.º e 279.º, da Constituição e nos art. 48.º e seguintes da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

Já no Brasil, a fiscalização preventiva pode ser efetuada pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judicial (Judiciário)[19].

A fiscalização político-preventiva pode ser efetuada pelo Poder Legislativo, através das respectivas Comissões de Constituição e Justiça, quando analisam a constitucionalidade das proposições legislativas. Pelo Poder Executivo, por meio de veto jurídico a um projeto de lei aprovado, quando o considera inconstitucional ou contrário ao interesse público (CRFB, art. 66.º, § 1.º).

A fiscalização judicial-preventiva no Brasil é uma possibilidade excepcional à regra da não interferência no processo legislativo. Ela se dá apenas quando o parlamentar invocar infringência ao devido processo legislativo, cujas regras estão previstas na Constituição.

A apreciação judicial se dá no bojo de um Mandado de Segurança, remédio constitucional que visa assegurar direito líquido e certo do(s) impetrante(s) (CRFB, art. 5.º, LXIX[20]).  

1.3.b) Fiscalização sucessiva ou repressiva

A fiscalização sucessiva ou repressiva, como visto, caracteriza-se pela fiscalização da constitucionalidade de norma pronta e acabada, que já integra o ordenamento jurídico.

Em Portugal, a fiscalização sucessiva é sempre realizada pelo Poder Judicial; em casos concretos, por qualquer tribunal singular ou colegiado, e de forma abstrata, pelo Tribunal Constitucional (CRP, artigos 280.º e 281.º, n. º 1).

No Brasil, a fiscalização sucessiva (controle repressivo) é predominantemente da competência do Poder Judiciário. Em casos concretos, por qualquer juízo singular ou colegiado, e de forma abstrata, quanto à lei ou ato normativo federal ou estadual, pelo Supremo Tribunal Federal (CRFB, artigos 5.º, XXXV e 102, I, alínea a). Mas ela também pode ser realizada pelo Poder Legislativo em duas situações do chamado “controle político-repressivo”: a) rejeição de medida provisória considerada inconstitucional (CRFB, art. 62); b) suspensão de lei delegada ou decreto do Poder Executivo (CRFB, 49, V, CF/88), que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa.

Tanto em Portugal como no Brasil, a fiscalização sucessiva abstrata pode ser realizada independente da vacatio legis, isto é, ainda que a norma não tenha entrado em vigor ela poderá ser objeto de fiscalização, como se verá adiante.

Já na fiscalização difusa, a norma deve estar em pleno vigor, justamente por prescindir dos efeitos concretos.

1.4. Modelos de fiscalização de constitucionalidade

Quanto à competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas, pode-se citar três modelos distintos: difuso, concentrado e misto.

No controle difuso da constitucionalidade das normas, a competência para exercê-lo é atribuída a todos os órgãos do Poder Judicial.

Esse modelo difuso de fiscalização (judicial review of legislation) tem origem nos Estados Unidos, com o caso “Marbury versus Madison”, onde ganhou força o entendimento de que o Poder Judicial pode deixar de aplicar uma norma jurídica aos casos concretos quando a considerar inconstitucional[21], cuja decisão produzirá, em regra, efeitos inter partes

O modelo concentrado ou austríaco (Verfassungsgerichtsbarkeit), caracteriza-se por ser o controle de constitucionalidade confiado a um só órgão – de acordo com a concepção kelsiana, a um tribunal constitucional (órgão criado especificamente para levar a cabo o controle).

Para Hans Kelsen[22]:

A criação de um Tribunal Constitucional com essa finalidade encontra a sua justificação na função política da Constituição, que é a de estabelecer limites jurídicos ao exercício do poder do Estado, e a função de guarda significa garantir que os limites impostos não sejam ultrapassados. Uma tal competência de guarda da Constituição deveria ser realizada pelo Tribunal Constitucional, pois este não participaria do exercício do poder legislativo e do poder executivo, nem teria uma posição de antagonismo perante o Parlamento e o Governo.

Deste modo, a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis estará concentrada em um único órgão, normalmente o de cúpula do Poder Judicial. 

Tanto Portugal como Brasil adotaram o modelo misto, na medida em que os poderes judiciais de ambos os países atuam de forma concentrada, no âmbito do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Federal, e de forma difusa, no âmbito de qualquer órgão judicial singular ou colegiado. No Brasil, não se pode esquecer que os Tribunais de Justiça de cada Estado-Membro também atuam de forma concentrada em relação à apreciação da constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais, em face das respectivas Constituições Estaduais.

Feitas as considerações necessária à compreensão do que vem a ser fiscalização de constitucionalidade das normas, cumpre adentrar o cerne do estudo, como adiante.

 

2. Fiscalização Sucessiva Abstrata nos Tribunais Constitucionais de Portugal e do Brasil

2.1. Origem constitucional

Em Portugal, ao longo das Constituições de 1911 e 1933 e das leis constitucionais publicadas entre 1974 e 1976, tudo se reduzia ao conhecimento difuso da constitucionalidade por todos os tribunais. Daí a afirmativa de que “o controlo difuso pode considerar-se uma tradição republicana do direito constitucional português[23]”.

Com o advento da Constituição de 1976 é que a fiscalização abstrata das normas passou a ser disciplinada expressamente no texto constitucional.

De início, a fiscalização abstrata era de competência concentrada do Conselho da Revolução, conforme redação original do art. 281.º, da Constituição. Foi com a revisão constitucional de 1982, diante da previsão de extinção do Conselho da Revolução, que entendeu-se por formar o Tribunal Constitucional. “Imediatamente a seguir à revisão, foi aprovada a lei relativa à organização, ao funcionamento e ao processo do Tribunal: a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro[24]”.

No Brasil, a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas teve origem na Constituição de 1946, após a Emenda Constitucional n.º 18/1965.

Antes, vigorava apenas o controle difuso-incidental, que, aliás, continuou predominando no sistema brasileiro, eis que o constituinte derivado escolheu o Procurador-Geral da República como único legitimado para propor a representação de inconstitucionalidade. 

Somente com a promulgação da Constituição de 1988 que a fiscalização abstrata ganhou proporção no sistema brasileiro. Foi a Carta Magna atual que ampliou o rol de legitimados a propor ao Supremo Tribunal Federal o controle abstrato das leis e atos normativos, bem como criou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental[25].

2.2. Conceito e generalidades

A fiscalização sucessiva (repressiva) abstrata de constitucionalidade é aquela que examina a constitucionalidade de uma norma em tese, abstrata, marcada pela generalidade, impessoalidade e abstração[26].

Diferente da fiscalização difusa, não há um caso concreto a ser examinado, é a norma jurídica, em abstrato, que tem sua constitucionalidade aferida pelo Poder Judicial. Nesta fiscalização abstrata, a constitucionalidade da norma é requerida na via principal ou por via de ação[27].

Em Portugal, a fiscalização sucessiva abstrata, como visto, é da competência do Tribunal Constitucional, tendo como parâmetro a Constituição da República Portuguesa.

No Brasil, tendo como parâmetro a Constituição da República, a fiscalização sucessiva (repressiva) é da competência do Supremo Tribunal Federal.

Assim, tanto em Portugal como no Brasil se diz que a fiscalização abstrata é realizada de modo concentrado, por “concentrar-se” em um único tribunal[28].

Em Portugal, a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade das normas está disciplina nos artigos 281.º e 282.º da Constituição e nos artigos 51.º a 56.º e 62.º a 66.º da Lei n. º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).

No Brasil, a fiscalização sucessiva abstrata, face à Constituição da República, encontra espeque em seu art. 102, I, alínea a), e segue o determinado na Lei n. º 9.868 de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) perante o Supremo Tribunal Federal.

Nesses referidos dispositivos, dentre outros comandos, encontram-se determinados: (i) competência; (ii) normas objeto de fiscalização; (iii) legitimados ativos e passivos; (iv) pressupostos; (v) ritos processuais; (vi) efeitos da deliberação.

No que tange à fiscalização sucessiva abstrata em Portugal, Fernando Alves Correia[29] destaca:

Nas modalidades de controlo, aparece-nos, em segundo lugar, o controlo abstrato sucessivo direto, por via principal ou por via de ação.

São as seguintes as características fundamentais desta modalidade de fiscalização da constitucionalidade de normas jurídicas:

Incide sobre ‘quaisquer normas jurídicas’ já em vigor [art. 281º, nº 1, alínea a), da Constituição];

Apenas um número restrito de entidades indicado no art. 281º, nº 2, alíneas a) e g), e nº 3, da Constituição tem legitimidade para requerer aquela fiscalização: [o Presidente da República; o Presidente da Assembleia da República; o Primeiro-Ministro; o Provedor de Justiça; o Procurador-Geral da República; um décimo dos deputados à Assembleia da República; os Representantes da República; as Assembleias Legislativas das regiões autônomas, os presidentes destas assembleias, os presidentes dos Governos Regionais ou um décimo dos deputados à respectiva Assembleia Legislativa, ‘quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autônomas’; e os representantes do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional ou qualquer dos juízes do Tribunal, nos processos em que este apreciar e declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional em três casos concretos, em processos de fiscalização concreta].

O pedido pode ser feito a todo tempo;

A competência cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional;

A declaração de inconstitucionalidade tem força obrigatória geral, eliminando do ordenamento jurídico a norma declarada inconstitucional, em regra, desde a data da sua entrada em vigor, e determinando a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado;

As decisões que não declarem a inconstitucionalidade com força obrigatória geral não fazem caso julgado, podendo a mesma questão ser recolocada no futuro à consideração do Tribunal [art. 224º, nº 2, 281, nºs 1, alínea a), 2 e 3, e 282º, nº 1, da Constituição e artigos 51º a 56º, 62 a 66º e 82 da Lei do Tribunal Constitucional.

As características fundamentais supracitadas suscitam considerações a serem tecidas em tópicos específicos, mas de antemão ousa-se discordar do renomado doutrinador apenas quando diz “incide sobre ‘quaisquer normas jurídicas’ já em vigor”.

Esse ponto, aliás, nos faz debruçar com maior cuidado acerca da questão posta. Isso porque, como se deixou antever, embora não seja um assunto muito claro na doutrina, a fiscalização sucessiva abstrata pode ocorrer durante a vacatio legis de uma lei ou ato normativo.

Sobre o tema, tem-se como pertinente o entendimento já referido por Jorge Miranda[30]:

A fiscalização é: a) de normas aprovadas, embora ainda não publicadas – na fiscalização preventiva; b) de normas publicadas, já juridicamente eficazes (art. 119.º, n.º 2), embora ainda não em vigor – na fiscalização sucessiva abstracta; e c) de normas aplicáveis ou aplicadas na fiscalização concreta.

O art. 282.º, n.º 1, refere-se à entrada em vigor das normas declaradas inconstitucionais ou ilegais. Contudo, não se vê por que motivo uma norma constante de lei já publicada (e, por conseguinte, agora insusceptível de fiscalização preventiva), se bem que ainda não entrada em vigor, não há-de poder ser submetida a apreciação pelo Tribunal Constitucional – obviamente só em fiscalização abstracta – até para evitar a consumação da inconstitucionalidade.

Não haveria outra razão de ser, senão a necessidade de se privilegiar soluções que evitem os efeitos indesejáveis no mundo jurídico, decorrentes da consumação de normas inconstitucionais.

Impende destacar que, tanto em Portugal como no Brasil, os pedidos de fiscalização sucessiva abstrata estão sujeitos à apreciação de admissibilidade pelas respectivas Cortes Constitucionais, as quais poderão rejeitá-los ou indeferi-los caso careçam dos requisitos mínimos necessários para o desenvolvimento válido dos respectivos processos[31].

Se há convergência quanto à admissibilidade, também há em relação à impossibilidade de desistência do pedido de fiscalização sucessiva abstrata em ambos os países.

Em Portugal há, no entanto, uma previsão constitucional que chama a atenção e não merece ser desprezada, que é dita como a “passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata”. De acordo com o art. 281.º, n.º 3, da Constituição, o Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.

Para Jorge Miranda[32], “o pedido leva consigo a suficiência da última decisão concreta para que se passe à declaração com força geral, mas é um novo processo de fiscalização que vem então abrir-se e uma nova decisão do Tribunal que tem de se formar”.

2.3. Normas parâmetros de fiscalização

Tanto em Portugal como no Brasil, todas as normas constantes do texto constitucional servem como parâmetro de fiscalização. Não interessa qual é o conteúdo da norma, basta que ela seja formalmente constitucional para que sirva como parâmetro de fiscalização.

Tampouco importa o tipo da norma constitucional que se analisa, ou seja, regras e princípios que se extraem do texto constitucional servirão como parâmetro para a verificação de constitucionalidade.

Acerca do assunto, Jorge Miranda[33] descreve:

a) A constituição, não genérica, na sua globalidade, em bloco, em bruto; mas por referência a uma norma determinada, a certa norma que rege certo comportamento; por referência a certa norma, ou a certo seguimento de norma constitucional, seja qual for a expressão verbal (texto de preâmbulo, artigo, número ou alínea de artigo).

Há sempre uma norma violada, e não outra. Pela inconstitucionalidade, transgride-se uma norma constitucional uma a uma, não se transgridem todas ao mesmo tempo e de igual modo. Pode assim ficar afectado todo um instituto ou capítulo que, nem por isso – subsistindo a Constituição e dispondo ela de meios de garantia da sua integridade – deixa de ser através de qualquer das suas normas (ou segmentos de normas) que a inconstitucionalidade se manifesta. Um comportamento enquanto tal contrário a toda Constituição, juridicamente significativo, só poderia ser uma revolução.

b) A Constituição, através de qualquer dos tipos de normas em que se analisa – regras e princípios; e daí as fórmulas dos arts. 204.º, 277.º, n. º 1, e 290.º, n. º 2, da Constituição.

c) A Constituição também através de qualquer de suas normas consuetudinárias (inclusive, de origem jurisprudencial) que a integrem.

d) A Constituição, através de qualquer das suas normas, sejam originárias, sejam criadas por revisão constitucional (e nestas abrangidas as correspondentes às disposições transitórias das respectivas leis).

e) A Constituição, quando tenha ocorrido revisão constitucional, através de qualquer das suas normas já não em vigor, mas relativamente a situações produzidas durante o seu tempo de vigência.

Destaca-se que no Brasil, por força do art. 5.º, § 3.º, da Constituição, tratado internacional sobre direitos humanos, incorporado ao ordenamento jurídico pelo procedimento legislativo de emenda constitucional será, também, parâmetro de fiscalização de constitucionalidade. Isso porque esse tratado terá equivalência de emenda e integrará o chamado “bloco de constitucionalidade[34]”.

2.4. Objeto de fiscalização

Em Portugal, todas as normas jurídicas públicas podem ser objeto de fiscalização (CRP, art. 112.º e art. 281.º, n.º 1, alínea a).

Segundo Jorge Miranda[35], a fiscalização da constitucionalidade portuguesa abrange:

a) Normas constitucionais introduzidas por revisão constitucional ou normas transitórias ou outras normas constantes de leis de revisão.

b) Actos legislativos – leis, decretos-leis e decretos legislativos regionais (art. 112.º).

c) Actos normativos da Assembleia da República sem forma de lei ou conexos com actos de fiscalização política.

Englobam-se aqui a resolução da Comissão Permanente de quando a Assembleia não esteja reunida, nem seja possível a sua reunião imediata [arts. 179.º, n. º 3, alínea f), 166.º, n.º 5, e 138.º]; a resolução da Assembleia ou, não estando reunida nem sendo possível a sua reunião imediata, a da Comissão Permanente, de autorização da declaração de guerra [art. 135.º, alínea c), 161.º, alínea m), 166, n.º 3 e 5, e 179.º, n.º 3, alínea f)]; e as resoluções da Assembleia da República de suspensão ou de cessação da vigência de decretos-leis, bem como de decretos legislativos regionais publicados no uso de autorização legislativa [art. 162.º, alínea c), 166.º, n.º 5, 169.º e 227.º, n.º 4, 2.ª parte].

(…)

d) Decretos normativos do Presidente da República.

São eles: o decreto de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência [art. 134.º, alínea d), 138.º e 19.º]; o decreto de declaração de guerra e o de feitura da paz [art. 135.º, alínea c), e 19.º, n.º 5]; e o decreto de nomeação de Ministros e Secretários de Estado, quando determine o número, a designação e as atribuições dos Ministérios e Secretarias de Estado e as respectivas formas de coordenação [arts. 133.º, alínea h), e 183.º, n.º 3].

e) regimentos da Assembleias e dos demais órgãos colegiados do Estado, das regiões autónomas e do Poder local.

f) Actos normativos da Administração pública, quando violem directamente a Constituição – compreendendo-se aqui:

– Todos os ramos da Administração – directa, indirecta e autónoma [art. 199.º, alínea d)], eleitoral (art. 113.º, n.º 4), acessória dos órgãos de soberania (art. 181.º), das regiões autónomas [art. 227.º, n.1, alínea g)] exercida por autoridades independentes (art. 267.º, n.º 3);

– Todos os regulamentos de qualquer tipo ou forma, tenham eficácia externa ou interna, entre os quais os do próprio Tribunal Constitucional [art. 36, alínea b) da Lei Orgânica];

– Na medida em que se justifique atomizá-los relativamente aos regulamentos, os estatutos de quaisquer pessoas colectivas públicas, Universidades públicas);

-Actos para-regulamentares emitidos no âmbito da estrutura interna da Administração (regimentos, resoluções, instruções, circulares, directivas).

g) Normas de Direito estrangeiro aplicáveis em particular, por virtude de regras de conflito.

Para além dessas normas, o referido doutrinador cita ainda: a) as normas emitidas por empresas concessionárias, quando no exercício de poderes públicos; b) os estatutos e normas reguladoras dos partidos políticos, mormente as normas internas dos grupos parlamentares; c) os compromissos arbitrais (art. 209.º, n. º 2); d) os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em recurso de revista (arts. 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil) e em recursos extraordinários para fixação de jurisprudência (arts. 437.º e seguintes do Código de Processo Penal); e) os estatutos e regulamentos das federações desportivas. Já não os administrativos gerais[36].

A par da previsão do art. 8.º, da Constituição portuguesa, cabe anotar o que Canotilho e Moreira[37]  assinalam: “as normas de direito internacional público vigoram na ordem interna com a mesma relevância das normas de direito interno, desde logo quanto à subordinação à Constituição – sendo, pois, inconstitucionais se infringirem as normas da Constituição ou seus princípios”.

Releva destacar, ademais, que a inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação de suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental (CRP, 277.º, n. º 2).

No Brasil, como visto, somente os atos normativos primários (federais, estaduais e do Distrito Federal, desde que emanados de sua competência estadual), editados após a promulgação da Constituição de 1988, podem ser objeto de fiscalização sucessiva abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (CRFB, arts. 32, § 1.º e 102, I alínea a).

Esses atos devem possuir caráter normativo e serem dotados de generalidade e abstração.

Segundo a doutrina[38], entende-se como atos dotados de generalidade aqueles que não têm destinatários certos e definidos, mas sim que se destinem a todos que cumpram os requisitos e neles se enquadrem. A abstração caracteriza-se pelo ato normativo ser aplicável a todos os casos que se subsumirem à norma e não a um caso concreto específico.

Os atos de efeitos concretos, como por exemplo, uma portaria de nomeação ou normas orçamentárias, via de regra, não podem ser objeto de controle de constitucionalidade, mas o Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento para admiti-los, excepcionalmente, quando o ato contiver normas dotadas de abstração, como ressalta Flávio Martins[39]:

Todavia, posição anterior do Supremo Tribunal Federal entendia que somente as leis dotadas de abstração e generalidade poderiam ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Era a posição do STF: ‘só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelos menos, de generalidade. Precedentes’ (ADI 1.937-MC/QO, rel. Min. Sepúlveda Pertence). Dessa maneira, atos legislativos de efeitos concretos não eram submetidos à ADI (como, por exemplo, a lei que abrira créditos extraordinários).

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, a partir da ADI 4.048/DF, relatada pelo Min. Gilmar Mendes, mudou seu posicionamento. A partir de então, “O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independentemente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.

Assim, podem ser objeto de fiscalização da constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: a) os atos normativos do art. 59, da Constituição (emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; resoluções como do Poder Legislativo, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que extrapolarem os limites de sua atividade constitucional); b) quaisquer tratados internacionais comuns ou sobre direitos humanos[40]; c) decretos autônomos; d) Constituições e leis estaduais; e) Regimentos Internos dos Tribunais e das Casas Legislativas; f) deliberações administrativas dos órgãos judiciários, desde que dotadas de força normativa (ADI 728, rel. Min. Marco Aurélio).

Não podem ser objeto de fiscalização sucessiva abstrata perante o Supremo Tribunal Federal[41]: a) normas constitucionais originárias; b) leis e atos normativos revogados ou cuja eficácia tenha se exaurido; c) as normas elaboradas na vigência de Constituições pretéritas (direito pré-constitucional), tendo em vista o entendimento consagrado no ordenamento jurídico brasileiro de que estas normas podem apenas ser objeto de um juízo de revogação ou recepção; d) súmulas, inclusive súmulas vinculantes. Segundo o Supremo Tribunal Federal: “a súmula, porque não apresenta as características de ato normativo, não está sujeita a jurisdição constitucional concentrada” (ADI 594/DF, rel. Min. Carlos Velloso); e) atos normativos secundários, haja vista que o Supremo Tribunal Federal não admite a inconstitucionalidade indireta ou reflexa.

Nota-se em relação a este ponto, que no Brasil são bens mais restritas as normas jurídicas que podem ser objeto de fiscalização sucessiva abstrata no bojo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), perante o Supremo Tribunal Federal.

2.5. Legitimação ativa 

Em Portugal, de acordo com o art. 281, n. º 2, alíneas a) a g) da Constituição, podem propor a fiscalização sucessiva abstrata de normas jurídicas, perante o Tribunal Constitucional: a) o Presidente da República; b) o Presidente da Assembleia da República; c) o Primeiro-Ministro; d) o Provedor de Justiça; e) o Procurador-Geral da República; f) um décimo dos Deputados à Assembleia da República; g) os Representantes da República, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes dos Governos Regionais ou um décimo dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respectivo estatuto.

Jorge Miranda[42] diz que se deve distinguir o poder geral e poder especial de iniciativa dos legitimados, pois “há entidades que podem pedir a apreciação e a declaração da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de quaisquer normas, com qualquer fundamento” [art. 281, n.º 2 , alíneas a) a f)]. Também ressalta que “há outras que só podem requerer a apreciação e a declaração da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de certas e com certo fundamento” [art. 281.º, n.º 2, alínea g)].

Assemelha-se com o que o Supremo Tribunal Federal chama no Brasil de legitimados neutros ou universais e legitimados interessados ou especiais.

No Brasil, podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:  I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a IV – Mesa da Câmara dos Deputados; V – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;  VI – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;  VII -o Procurador-Geral da República; VIII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; IX – partido político com representação no Congresso Nacional; X – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (CRFB, art. 103).

Esse rol é taxativo e, portanto, não se estende a nenhum outro cargo, a não ser aos de substitutos, desde que estejam no exercício das respectivas funções. 

Consoante Pedro Lenza[43], o Supremo Tribunal Federal diferencia os legitimados da forma a seguir:

No tocante aos legitimados, o STF prescreve que alguns devem demonstrar interesse na aludida representação, em relação à sua finalidade institucional. Todos os membros acima citados são neutros ou universais, possuidores de legitimidade ativa universal, ou seja, não precisam demonstrar a pertinência temática, exceto os dos incisos IV – Mesa de Assembleia Legislativa de Estado (e, como vimos, também a Mesa da Câmara Legislativa); V – Governador de Estado (também o Governador do DF) e IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, que são autores interessados ou especiais, ou seja, devem demonstrar o interesse na propositura da ação relacionada à sua finalidade institucional.

2.6. Legitimidade passiva

Em Portugal, diz-se que é legitimado passivo no processo de fiscalização sucessiva abstrata o órgão de que tiver emanado a norma impugnada.

Essa afirmativa decorre do previsto no art. 54, da Lei n. º 28/82 (LTC), que dispõe: “admitido o pedido, o Presidente notifica o órgão de que tiver emanado a norma impugnada para, querendo, se pronunciar sobre ele no prazo de 30 dias (…)”.

No Brasil não se fala em legitimidade passiva na fiscalização sucessiva abstrata por meio de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), tendo em vista que o art. 6.º, caput e parágrafo único, da Lei n. º 9.868/99, prescreve que “o relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado” e essas informações devem ser prestadas no prazo de trinta dias.

Essa etapa pode, inclusive, ser dispensada pelo relator em casos de urgência, como prescreve o art. 170, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal[44].

Todavia, o art. 103, § 3.º, da Constituição brasileira, dá margem a interpretação de haver legitimidade passiva do Advogado-Geral da União na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ao dispor: “quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”.

Flávio Martins[45] aponta que “esse dispositivo constitucional sempre foi muito criticado”, por causar algumas perplexidades, sobretudo duas: a) quando o Presidente da República é autor da ADI, embora tenha capacidade postulatória, normalmente é representado pelo Advocacia-Geral da União. Ou seja, a mesma instituição será responsável pela petição inicial defendendo a inconstitucionalidade e depois será citada para defender a constitucionalidade; b) o Advogado-Geral da União seria obrigado a defender leis estaduais ou federais que contrariasse interesse da União.

O Supremo Tribunal Federal tem se manifestado, talvez por conta dessas críticas, no sentido de que “o múnus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado-Geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade[46]”.

2.7. Amicus curiae e audiência pública

Tanto em Portugal como no Brasil não há possibilidade de intervenção de terceiros nos referidos processos de fiscalização perante as Cortes Constitucionais.

No Brasil, inclusive, essa impossibilidade consta expressa no art. 7.º, caput, da Lei n. º 9.868/99, que prescreve: “não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade”.

Entretanto, o § 2º do referido dispositivo legal (Lei n.º 9.868/99, art. 7.º) consagrou a figura do amicus curiae ao dispor: “o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.

De acordo com Flávio Martins[47]:

A admissão do amicus curiae é uma inovação legislativa absolutamente salutar, que visa a democratizar o procedimento do controle concentrado da constitucionalidade, na medida em que permite que órgãos ou entidades de elevada representatividade possam participar do processo, contribuindo com suas opiniões. Tal instituto é sempre lembrado pelo professor norte-americano Mark Tushnet, pai do constitucionalismo democrático, segundo o qual a interpretação da Constituição não pode ser uma exclusividade do Poder Judiciário. Todos nós somos potenciais intérpretes da Constituição, como lembra Peter Häberle.

Em um primeiro momento o Supremo Tribunal Federal entendeu como possível a admissão do amicus curiae no processo até o início do julgamento. Uma vez em curso e já iniciado o julgamento, a presença deverá ser rejeitada para evitar tumulto processual (cfr. ADI 2.238, inf. 267/STF). Posteriormente, a Corte Constitucional mudou o entendimento e restringiu um pouco mais o momento, o amicus curiae somente pode demandar a sua intervenção até a data em que o Relator liberar o processo para pauta (Cfr. ADI 4.071 AgR/DF, Rel. Min. Menezes Direto. Julgado em 22/04/2009, DJe de 16/10/2009 e Inf. 543/STF)[48].

No caminho da democratização desse tipo de processo e da ampliação participativa de órgãos e entidades para colheita de contributos, também é possível no Brasil a realização de audiência pública, onde serão ouvidos depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria (Lei n.º 9.868/99, art. 9.º, § 1.º).

A figura do amicus curiae e a realização de audiência pública não se vislumbra na fiscalização de constitucionalidade em Portugal, tendo em vista a impossibilidade de particulares terem acesso direto ao processo.

Nesse sentido, explica Jorge Miranda[49]:

Os particulares não têm acesso direito à fiscalização abstracta. O que eles podem é exercer o seu direito de petição perante qualquer dos órgãos de iniciativa – seja para defesa dos seus direitos, seja para defesa da Constituição (art. 52, n.º 1) – ali, mais naturalmente, perante o Provedor de Justiça. E, por conseguinte, os órgãos de iniciativa tanto podem agir espontânea ou oficiosamente quanto em consequência de petições de cidadãos ou de grupos de cidadãos.

De tal forma, não se divisa na Lei n.º 28/82 a possibilidade de abertura à atuação participativa direta da sociedade civil organizada, que não às partes legitimadas ao processo de fiscalização no âmbito do Tribunal Constitucional, a despeito, sobretudo, do princípio da “democracia participativa”, consagrado na Constituição portuguesa de 1976.

2.8. Medida cautelar

No Brasil existe a possibilidade de que qualquer um dos autores de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) formule pedido de uma medida cautelar, com base no art. 102, I, alínea p), da Constituição e arts. 10 a 12 e 21, da Lei n.º 9.868/99.

Embora haja grande discussão doutrinária acerca do conceito de cautelar, em se tratando de ADI ou ADC deve ser entendida como antecipação dos efeitos (parte deles) da decisão definitiva. Destarte, poderá o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo cauterlamente, com efeitos vinculante, repristinatório (quando for o caso), erga omnes e, em regra, ex nunc[50].

Também poderá o relator, ou o presidente do Supremo Tribunal Federal, suspender, em sede de medida cautelar, a eficácia de lei ou ato normativo até que a impugnação seja apreciada pela maioria absoluta de seus membros. Cite-se, como exemplo, o caso recente da criação do “juiz de garantias” pela Lei nº 13.964/19[51] [52].

Nesse caso, o fumus boni iuris e o periculum in mora para concessão de liminar, fundou-se, sobretudo, na exiguidade da vacatio legis da referida lei e na complexidade para estruturação do “juiz de garantias” no sistema judiciário brasileiro.

Em Portugal não há previsão na Constituição ou na Lei n. º 28/82 de medida cautelar em fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade de normas.

Jorge Miranda[53] destaca a ausência de medida cautelar, ao comparar com o ordenamento jurídico brasileiro: “O requerimento de apreciação da constitucionalidade ou da legalidade não suspende a aplicação, a vigência ou eficácia (como se queira) das normas impugnadas, nem o Tribunal Constitucional pode adoptar providências cautelares”.

2.9. Imprescritibilidade 

Tanto em Portugal como no Brasil não há prazo decadencial ou prescricional para o pedido de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade.

Trata-se, pois, de processos objetivos e que têm como objeto a defesa da ordem jurídica, razão pela qual podem ser apresentados a qualquer tempo, como expressamente prevê o art. 54 a 62.º, da Lei n.º 28/82.

2.10. Quórum e deliberações

Em Portugal, de acordo com o art. 42.º, da Lei n. º 28/82, o Tribunal Constitucional (que é composto por treze juízes), em plenário ou em seção, só pode funcionar estando presente a maioria dos respectivos membros em efetividade de funções, incluindo o Presidente ou o Vice-Presidente.

Dessa forma, as deliberações em processos de fiscalização sucessiva abstrata serão tomadas com base na maioria dos membros presentes.

Sobre este ponto, Fernando Alves Correia[54] assinala:

No que tange ao processo de formação das decisões, são estas precedidas de uma discussão em que intervêm todos os juízes, que incide sobre o ‘memorando’ ou ‘projeto de acórdão’ apresentado previamente pelo juiz relator do processo, que é determinado por sorteio. Nos processos de fiscalização abstrata sucessiva, o memorando é, no entanto, elaborado pelo Presidente do Tribunal (art. 63.º, I, da Lei do Tribunal Constitucional).

Finda a discussão, procede-se à votação das diversas questões sobre as quais o Tribunal se deva pronunciar, utilizando o método da chamada votação escalonada (Stufenabstimmung), isto é, compartimentando as diversas questões colocadas no âmbito de cada processo e formando, em relação a cada uma delas, a respectiva maioria de votação.

Embora o art. 42.º da Lei do Tribunal Constitucional não o estabeleça expressamente, o Tribunal tem entendido que, para se formar uma decisão positiva de inconstitucionalidade, mas já não nos casos de decisões negativas de inconstitucionalidade, é necessária uma maioria não apenas quanto à decisão, mas como também quanto à fundamentação.

No Brasil, a decisão de mérito na fiscalização sucessiva abstrata no Supremo Tribunal Federal (que é composto por onze Ministros) está sujeita a dois quóruns: a) presença: É necessária a presença de pelo menos oito Ministros na sessão (Lei n.º 9.868/99, art. 22); b) votação: Em razão da cláusula de “reserva de plenário”, a declaração de inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da norma dependerá do voto de pelo menos seis Ministros, a denominada maioria absoluta (Lei n.º 9.868/99, art. 23).

Tanto em Portugal como no Brasil as deliberações proferidas em sede de fiscalização sucessiva abstrata são irrecorríveis, ressalvada a possibilidade de interposição de embargos de declaração no Brasil, não cabendo igualmente ação rescisória[55].

2.11. Natureza da deliberação

Em Portugal, a deliberação em processo de fiscalização sucessiva abstrata produz eficácia apenas quando declara a norma jurídica inconstitucional.

A doutrina portuguesa destaca a irrelevância da decisão negativa, da decisão de não inconstitucionalidade, que abrange não somente o Tribunal Constitucional e os tribunais em geral, mas também os órgãos e entidades de propositura da questão. Não há nunca preclusão do poder de requerer a apreciação e a declaração de inconstitucionalidade de certa norma no ordenamento jurídico português, nem sequer relativamente aos mesmos fundamentos invocados[56].

Já no Brasil, a decisão de mérito em controle sucessivo abstrato produz eficácia quando o pedido é concedido ou negado em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADC). É a chamada natureza dúplice ou ambivalente[57].

2.12. Principais efeitos da deliberação

Em Portugal, os principais efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, na fiscalização sucessiva abstrata[58], estão previstos no art. 282.º, n.º 1, da Constituição, quais sejam: a) efeito erga omnes: a declaração de inconstitucionalidade possui força obrigatória geral; b)  em regra, efeito ex tunc: a declaração produz efeitos desde a entrada em vigor da norma tida como inconstitucional, contemplando a teoria da nulidade, segundo a qual considera-se que a norma já “nasceu morta”. Os efeitos por ela produzidos são considerados inválidos; c) efeito repristinatório: determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

Excetuando expressamente a regra da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade (efeito ex tunc), a própria Constituição prevê no art. 282.º, n.os  2 a 4, ressalvas e restrições dos efeitos da deliberação em três hipóteses.

A primeira delas diz respeito à chamada inconstitucionalidade superveniente, isto é, tratando-se, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

A segunda consubstancia-se na impossibilidade da retroatividade in pejus. Porquanto prevê que: ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido (efeito ex nunc).

A terceira e última, quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos números 1 e 2, do art. 282.º, da Constituição.

No Brasil, de acordo com art. 102, § 2.º, da Constituição, as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Pedro Lenza[59] aponta, de tal forma, os principais efeitos da declaração de inconstitucionalidade: a) em regra, efeito ex tunc: consagra, igualmente, a teoria da nulidade. A decisão é meramente declaratória de uma situação que já existia, isto é, a nulidade da norma. Em decorrência, os atos praticados com base na norma declarada inconstitucional podem ser invalidados; b) eficácia erga omnes; c) efeito vinculante: a decisão definitiva de mérito terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal; d) efeito repristinatório: quando uma norma é declarada inconstitucional, a anterior, caso existente, voltará a ser aplicável.

No que tange aos efeitos supracitados, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal pode proceder à modulação dos efeitos temporais da decisão, por decisão de dois terços de seus membros. Dessa forma, excepcionalmente, a decisão poderá ter efeitos ex nunc ou poderá ter eficácia a partir de um outro momento fixado pela Corte Constitucional (Lei n. º 9.868/99, art. 27).

Também por decisão de dois terços de seus membros, o Supremo Tribunal Federal pode restringir os efeitos da decisão a apenas algumas pessoas.

Pode, ainda, declarar a inconstitucionalidade da norma objeto de fiscalização e da norma por ela revogada, com o fito de evitar o indesejado efeito repristinatório da decisão.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, não está vinculado às decisões que tomar em fiscalização sucessiva abstrata, tendo em vista a possibilidade de mudar a orientação firmada em julgados anteriores. Esse efeito vinculante, igualmente, não atinge o Poder Legislativo, que poderá editar nova norma de conteúdo idêntico ao da norma declarada inconstitucional pela Corte Constitucional.

Em prestígio ao princípio da parcelaridade, o Supremo Tribunal Federal pode julgar parcialmente procedente o pedido para declarar inconstitucional, por exemplo, apenas uma palavra, uma expressão da lei ou ato normativo.

Aqui, não há diferença do sistema Português, tendo em vista que o Tribunal Constitucional também pode declarar inconstitucional, por exemplo, apenas uma parte, uma norma, do disposto em um artigo de lei ou outro ato normativo [60].  

Ainda sobre os principais efeitos da deliberação, não se pode olvidar da interpretação conforme à Constituição, com ou sem redução de texto. Nesta fenda, Gilmar Mendes e Paulo Branco acentuam:

“A interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada, igualmente, no âmbito do controle abstrato das normas. Consoante a prática vigente, limita-se o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade a constituição. O resultado da interpretação, normalmente, é incorporado de forma resumida, na parte dispositiva da decisão”.

Deste modo, o Supremo Tribunal Federal pode declarar que a inconstitucionalidade reside em uma determinada aplicação da lei ou ato normativo, ou em um dado sentido interpretativo. Neste último, indica qual seria a interpretação conforme, pela qual não se configura a inconstitucionalidade.

Em Portugal, Jorge Miranda[61] ressalta a não aplicação da interpretação conforme à Constituição em se tratando de fiscalização abstrata, por só fazer sentido, como se viu, a força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade. Além de arrematar que em face da prática do Tribunal Constitucional português não poderá falar-se na formação de um costume constitucional corroborar das decisões interpretativas.

 

3. Quadro Comparativo dos Principais Aspectos da Fiscalização Sucessiva Abstrata nos Tribunais Constitucionais de Portugal e do Brasil

Fiscalização sucessiva abstrata de constitucionalidade – TC / STF

 

Portugal

Brasil

Pedido

Constitucionalidade e Legalidade

Inconstitucionalidade  / Constitucionalidade

Objeto

Todas as normas jurídicas – CRP, arts. 112.º, 278.º e 281.º

Leis e atos normativos federais  e Estaduais -Art. 102, I, “a”

Instrumentos

Processo de Fiscalização

ADI e ADC

Procedimento

Lei n. º 28/82, arts. 51.º a 56.º e 62.º a 68.º

Lei n.º 9.868/99

Legitimidade Ativa

CRP, art. 281.º, 2, “a” a “g”

CRFB, art. 103, I a IX

Legitimidade passiva

O órgão que tiver emanado a norma impugnada (Lei n.º 28/82, art. 54.º)

O Advogado-Geral da União em ADI (CRFB, art. 103, §3.º) [62]

Natureza

Somente negativa

Dúplice ou Ambivalente

Efeitos da decisão

Em regra, erga omnes, ex tunc e repristinatório.

Em regra, erga omnes, vinculante, ex tunc e repristinatório.

Modulação dos efeitos da deliberação

Sim

(CRP, art. 282.º, n.os  2 a 4)

Sim

(Lei n.º 9.868/99, art. 27)

Desistência do pedido

Não

Não

Amicus curiae / Audiência Pública

Não

Sim

Medida Cautelar

Não

Sim

 

4. Considerações Finais

Com base nas considerações elencadas, conclui-se que o Estado de Direito Democrático clama pela autoridade e efetividade de suas normas constitucionais.

Nesse passo, por ser dotada de generalidade e abstração, a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade das normas jurídicas é um mecanismo importante e eficaz adotado pelas Constituições de Portugal e do Brasil, com vistas a expurgar dos ordenamentos jurídicos de ambos os países aquelas que forem contrárias às suas disposições.

As Cortes Constitucionais de ambos os países, enquanto “Guardiães da Constituição”, desempenham papel de relevo para segurança jurídica nos respectivos ordenamentos jurídicos.

É dever de todos, especialmente dos legitimados a requerer e a atuar nesses processos de fiscalização, zelar pela manutenção das garantias dos direitos e pelo cumprimento dos deveres previstos em cada Constituição.

Há muitas semelhanças nos ordenamentos jurídicos de Portugal e do Brasil no que se refere à fiscalização sucessiva abstrata de constitucionalidade, bem como há significativas distinções, o que demonstra a constante possibilidade de aprimorá-los.

De tudo que se viu aqui, vale dizer que há espaço, em ambos os países, para tornar os processos de fiscalização de normas mais eficazes, transparentes, participativos e menos burocráticos.

Assim sendo, espera-se que esse estudo, à luz do direito comparado, possa de alguma forma contribuir para o esclarecimento da matéria posta e para novos debates acerca do tema, quer seja em Portugal, quer seja no Brasil.

 

[1] NUNES JUNIOR, Flávio Martins Alves – Curso de Direito Constitucional. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 161.

[2] MIRANDA, Jorge – Manual de Direito Constitucional – Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 112.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet – Curso de Direito Constitucional. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 95 e 96.

[4] BARROSO, Luiz Roberto – Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 85.

[5] CANOTILHO/MOREIRA, Fundamentos. p. 90, apud CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 359.

[6] Apesar da previsão constitucional (CRP, art. 236.º, n. º 1), as regiões administrativas ainda não foram instituídas. Logo, não há atualmente normas editadas por regiões administrativas em Portugal.

[7] LENZA, Pedro – Direito Constitucional Esquematizado. 16.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 433 a 451.

[8] Miranda, ob. cit. p. 35 e ss.

[9] Acórdão n.º 297/86, de 4 de novembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 269, de 21 de Novembro de 1986) e Acórdão n.º 148/94, de 8 de Fevereiro (ibid, 1.ª série-A, n.º 102, de 3 de Maio de 1994) apud Miranda, ob. cit. p. 36.

[10] Lenza, ob. cit. p. 251 e ss.

[11] Lenza, ob. cit. p. 200.

[12] Nunes Junior, ob. cit. p. 358.

[13] Miranda, ob. cit. p. 39.

[14] Cfr. RTJ 95/980, 95/993, 99/544 e 145/339, apud Lenza, ob. cit. p. 297.

[15] Cfr, por exemplo, ADI 5499/PB, Relatora: Min. Carmem Lúcia, Data da Publicação 27/09/2019, DJe-211 e ADI 4827/AL, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data da Publicação: 15/10/2019, DJe 224. Disponível em: <http:// http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/>. Acesso em: 04 mar. 2020.

[16] Miranda, ob. cit. p. 251.

[17] Cfr, por exemplo, Miranda, ob. cit. p. 118 e segs.; Nunes Junior, ob. cit. p. 477 e segs.

[18] Cfr. Nunes Junior, ob. cit. p. 469; Lenza, ob. cit. p. 256; Miranda, ob. cit. p. 192.

[19] Nunes Junior, ob. cit. p. 469 e ss.

[20] BRASIL, Constituição, art. 5.º (…) LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

[21] URBANO, Maria Benedita – Curso de Justiça Constitucional Evolução Histórica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2016. p. 30 e ss.

[22] CORREIA, Fernando Alves – Justiça Constitucional. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2019. p. 116.

[23] Canotilho, ob. cit. p. 982.

[24] Miranda, ob. cit. p. 148 e ss.

[25] Nunes Junior, ob. cit. p. 448.

[26] Lenza, ob. cit. p. 286.

[27] Correia, ob. cit. p. 255 e ss.

[28] Cfr, por exemplo, Lenza, ob. cit. 285.

[29] Correia, ob. cit. pp. 255 e ss.

[30] Miranda, ob. cit. pp. 192 e 193.

[31] Cfr. art. 51.º, nos. 1 a 4,  e 53.º da Lei n.º 28/82 (Portugal) e arts. 4.º, 5º, 15 e 16, da Lei n.º 9.868/99 (Brasil).

[32] Miranda, ob. cit. pp. 279 a 281.

[33] Miranda, ibid. pp. 11 e 12.

[34] Lenza, ob. cit. pp. 304 e 305.

[35] Miranda, ibid. pp. 178 a 181.

[36] Em sentido negativo, acórdão n.º 472/89, de 12 de Julho, in Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 22 de Setembro 1989. Em sentido positivo, acórdão n.º 730/95, de 14 de Dezembro, ibid, 2.ª série, n.º 31, de 6 de Fevereiro de 1996. Cfr. José Manuel Meirim – A Fiscalização da constitucionalidade dos regulamentos das federações desportivas. In: Revista do Ministério Público, n.º 66, 1996, págs. 117 e segs. apud Miranda, ob. cit. p. 181.

[37] CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA. Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 85 Apud MORAES, Alexandre de – Direito Constitucional. 33.ª ed. São Paulo: Atlas, 2017. n.p.

[38] Cfr. Lenza, ob. cit. p. 286 e ss; Nunes Junior, ob. cit. p. 526 e ss.

[39] Nunes Junior, ibid. p. 526.

[40] Cfr. Moraes, ob. cit. n.p., dissertando sobre as fases para a incorporação de um ato ou tratado internacional no ordenamento jurídico interno brasileiro: “3ª fase: edição de um decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratado internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional. É nesse momento que adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou tratado internacional, podendo, inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade”.

[41] Nunes Junior, ob. cit. pp. 527 a 535.

[42] Miranda, ob. cit. pp. 248, 277 e 278.

[43] Lenza, ob. cit. p. 325 e ss.

[44] Cfr. ADI 136-QO, rel. Ministro Adir Passinho, apud Nunes Junior, ob. cit. p.540.

[45] Nunes Junior, ob. cit. p. 544.

[46] Cfr. ADI 1616/PE, ADI 2.101/MS, ADI 3.121/SP e ADI 3.415/AM, apud Lenza, ob. cit. p. 327.

[47] Nunes Junior, ibid.

[48] Lenza, ob. cit. p. 331.

[49] Miranda, ob. cit. p. 249.

[50] Nunes Junior, ob. cit. p. 552.

[51] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6.298/DF. Rel. Min. Dias Tofolli. Publicado em 31/01/2020, DJe n.º 19. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br>. Acesso em: 12 mar de 2020.

[52] A Lei nº 13.964/2019 é proveniente do chamado “pacote anticrime”, defendido pelo atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Fernando Moro, ex-Juiz Federal da “Lava Jato”, como é mundialmente conhecida a força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná/Brasil.

[53] Miranda, ob. cit. p. 278.

[54] Correia, ob. cit. pp. 163 e 164.

[55] Cfr. art. 26 da Lei n.º 9.868/99.

[56] Miranda, ob. cit. p. 279.

[57] Mendes e Branco, ob. cit. p. 1487 e ss.

[58] Miranda, ibid, p. 283 e ss.

[59] Lenza, ob. cit. p. 337 e ss.

[60] Cfr., por exemplo, Acórdão nº 464/2019, (Diário da República, 1.ª série, n.º 202, de 21 de outubro de 2019), por meio do qual o Tribunal Constitucional, dentre outras, declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, na parte em que admite o acesso dos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do Serviço de Informações Estratégicas e de Defesa (SIED), relativamente a dados de base e de localização de equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional e da segurança interna, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; não declara a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, na parte em que admite o acesso dos oficiais de informações destes serviços no âmbito das respetivas atribuições, relativamente a dados de base e de localização de equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, para efeitos de produção de informações necessárias à prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada (…).

[61] Miranda, ob. cit. pp. 82 e 85.

[62] Vide subitem 2.6 supra.

 

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